quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Evangelho Segundo João: Ocasião e Proposito


Ocasião
            Para compreendermos qual foi o propósito de João, ao escrever este quarto evangelho, é preciso que cuidadosamente examinemos as circunstâncias em que ele se encontrava.
            Quando ele começou a escrever sua narrativa dos acontecimentos evangélicos, a situação da Igreja era bem diferente da época em que os Sinóticos (Mt, Mc e Lc) foram escritos. Por volta do ano 100 d.C. a Igreja havia se expandido de modo extraordinário, penetrando e se espalhando por todo o território do Império Romano. Os judeus não mais se constituíam uma maioria dentro das comunidades cristãs; os gentios (não judeus) predominavam em número crescente.
            O referencial desses novos cristãos não era mais o judaico, mas sim o helênico. Deste modo, era preciso encontrar uma maneira de comunicar as verdades imutáveis do Evangelho de modo que todos estes novos cristãos pudessem claramente compreendê-lo e anuncia-lo a outros. A grande distinção entre este Evangelho e os Sinóticos está justamente nesta questão cultural-linguística.
            João utiliza-se com muita propriedade de dois conceitos amplamente conhecidos do pensamento grego, para transmitir a mensagem evangélica. O primeiro era o conceito do “logos”, e o segundo era o conceito de “dois mundos” (BARCLAY, 1974, p. 15-17).
            Todavia, João não se deixou envolver pelas especulações filosóficas gregas, mas tão somente percebeu neles como tão bem escreve Hull, “elementos que realçavam sua apresentação de Cristo aos gregos, sem comprometer a integridade de sua mensagem” (1983, p. 233).
            Há ainda um outro aspecto relevante, no que concerne às circunstâncias em que foi escrito este evangelho – o avanço do gnosticismo para dentro das comunidades cristãs.
            Aproximadamente cinquenta ou sessenta anos havia se passado desde os acontecimentos evangélicos. As comunidades cristãs estavam se organizando e suas doutrinas fundamentais estavam sendo elaboradas. Ideais e conceitos diferentes começavam a surgir e acabavam por se apropriarem dos ensinos cristãos, então muito populares, confundindo e deturpando a mensagem evangélica.
            Em seu comentário, Barclay indica duas destes conceitos, que mereceram atenção por parte de João, enquanto elabora seu narrativa: o conceito demasiado elevado atribuído ao Batista; e os conceitos gnósticos que se não ainda não tão complexo, ao menos em seus primórdios (1974, p. 19-23). O comentarista bíblico Hendriksen também destaca a questão de João Batista e acrescenta:
“incluso, ao combate a algumas ideias errôneas sobre o Batista se pode considerar como algo que contribui ao propósito principal do quarto Evangelho: fixar a atenção dos leitores na transcendente grandeza de Cristo [20.30,31]” (1980, p. 35).
            Evidente que os dois pontos até aqui mencionados são parte do mosaico das razões pelas qual João escreve sua narrativa. Os comentaristas não encontram um consenso único e unanime, como por exemplo Pack, que afirma que o cenário religioso “para este livro é principalmente encontrado no judaísmo palestino e no cristianismo primitivo” (1983, p. 23), descartando quase por completo as questões ligadas ao pensamento helenista e gnóstico.
Proposito Central
            O próprio evangelista resume seu proposito central:
Jesus, pois, operou também em presença de seus discípulos muitos outros sinais, que não estão escritos neste livro. Estes, porém, foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome (20.30,31).
            Nesta passagem destacam-se três palavras: “sinais, creiais e vida. Segundo Tenney, estas palavras proporcionam uma organização lógica de todo o livro: Nos sinais está a revelação de Deus; na fé está a reação que eles estão preparados para produzir; na vida o resultado que a fé traz” (1972, p. 199).
            De fato, João tinha em mente um público dividido em duas categorias: o incrédulo que precisava ser confrontado com a verdade concernente ao Senhor Jesus Cristo e compelido a crer Nele para salvação de sua vida; e o cristão que carecia de ser fortalecido na sua fé, bem como ser aprofundado no conhecimento da pessoa e obra de Jesus Cristo.[1]

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
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Referências Bíblicas
BARCLAY, William. El Nuevo Testamento, v. 5. Buenos Aires: La Aurora, 1974.
BONNET, Luis y SCHROEDER, Alfredo. Comentário del Nuevo Testamento. Buenos Aires: La Aurora, 1974. [v. 5].
CARSON, D. A. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Ed. Vida Nova, 2001.
HENDRIKSEN, GUILLERMO. Juan – comentário del Nuevo Testamento. Michigan: Subcomission Literatura Cristiana de la Iglesia Cristiana Reformada, 1980.
HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento – João. São Paulo: Ed. Cultura Cristã, 2004. [v.1,].
HULL, W. E. Comentário bíblico Broadman, v. 9. Rio de Janeiro: JUERP, 1983.
MCARTHUR, John. Comentário Macarthur del Nuevo Testamento – Juan. Epanha: Kregel, 2011.
MICHAELS, J. Ramsey. Novo Comentário Bíblico Contemporâneo – João. São Paulo: Vida, 1994.
PACK, Frank. O Evangelho Segundo João. São Paulo: Vida Cristã, 1983.
TENNEY, Merrill C. O Novo Testamento – sua origem e análise. 2ª ed. São Paulo: Vida Nova, 1972.



[1][1] O comentarista Michaels entende ser “altamente improvável” a primeira alternativa, fixando sua argumentação na segunda, pois, segundo ele, o conteúdo do Evangelho assim o exige (1994, p. 26).

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