terça-feira, 12 de janeiro de 2016

VOCABULÁRIO BÍBLICO - Evangelho

O termo grego [εὐαγγέλιον], que se traduz por «evangelho», provém do grego comum. Nos escritos de Homero e Plutarco, significava, por exemplo, a recompensa dada ao mensageiro por sua mensagem; ou, no contexto religioso, as ofertas de ações de graça aos deuses por uma boa nova. Em Aristófano, passou a designar ou especificar a mensagem propriamente dita, e depois, o conteúdo da mensagem, a boa nova anunciada. Assim quando da comemoração do aniversário do imperador Augusto, reverenciado como um deus e salvador, foi proclamado como “o começo, para o mundo, das boas novas, que ele trazia”.[1]
A tradução e/ou versão das literaturas religiosas dos judeus, o Antigo Testamento e/ou Primeiro Testamento, feita para a língua grega, denominada de Versão dos Setenta (Septuaginta), utiliza-se desta palavra para identificar as boas mensagens, aquelas que traziam alegria e felicidade.[2] Um exemplo é a notícia do nascimento de Jeremias (profeta), que foi comunicada ao seu pai e que o deixou muito feliz (Jeremias 20.15). Mas sem dúvida alguma o livro do profeta Isaías é por excelência o mais evangélico da bíblia hebraica. Toda Jerusalém é convocada para anunciar as Boas Novas/Notícias com relação ao reino de Deus (40.9). Os que proclamam essa mensagem evangélica são bem aventurados: “Quão formosos são sobre os montes os pés dos que anunciam boas novas (evangelho), que faz ouvir a salvação, que diz a Sião: o teu Deus reina!” Mas a passagem messiânica que mais claramente utiliza o verbo “euangelizomai” é Isaías 61.1: “O Espírito do Senhor Deus está sobre mim, porque o Senhor me ungiu para anunciar as boas-novas aos pobres” e Jesus aplicou essa passagem para si mesmo ao lê-la na sinagoga de Nazaré (Lc 4.16-18).
Portanto, o Evangelho anunciado nas páginas do Novo Testamento é o cumprimento, em Jesus Cristo, das promessas do Evangelho redentor de Deus anunciada nas páginas do Antigo Testamento (Rm 1.1-4; 1Co 15.1-5). E interessante aqui é que a palavra “promessa” (epangelia) etimologicamente está relacionada a “evangelho” (euangelion).
Outro aspecto interessante é que as duas primeiras vezes que aparece o termo “euangelizomai - anunciar” os anjos (mensageiros) são os arautos das “boas-notícias - evangelho” (Lc 1.19; 2.10). E significativamente a última vez que aparece o verbo “anunciar” novamente tem um anjo como sujeito (Ap 14.6). Mas entre as primeiras proclamações e a última, são os discípulos os incumbidos de anunciarem as boas novas de Jesus Cristo para todo o mundo (Mc 16.15); aqui Marcos utiliza o termo “kerusso” (pregar), que é sinônima de “euangelizomai” (evangelizar).
Entre os cristãos primitivos, o evangelho, era primeiramente a boa nova da salvação realizada em Jesus Cristo, tal qual era anunciada oralmente pelos apóstolos. Posteriormente, na medida em que as obras evangélicas foram sendo escritas e começaram a circular nas comunidades cristãs, o termo passou a ser aplicado à forma escrita desta boa nova apostólica. Somente por volta do ano 150 d.C., passou a designar aqueles escritos que contam mais especificamente a vida terrestre de Jesus Cristo. E é neste sentido que se fala dos quatro evangelhos e que se chamam de evangelistas os autores aos quais são atribuídos: Mateus. Marcos, Lucas e João. 
No Novo Testamento grego, evangelho é a tradução de [εὐαγγέλιον – euaggélion] “boas notícias” e como substantivo ocorre 76 vezes, sendo que nos escritos paulinos aparecem umas 60 vezes; na forma verbal [euanggelizo] aparece 54 vezes, significando “trazer ou anunciar boas novas”. Ambas são derivadas do substantivo [aggelos] “mensageiro”.[3] No grego clássico, um “euanggelos – anjo, mensageiro” era aquele que trazia uma mensagem de vitória ou outras notícias políticas ou pessoais que causassem alegria. Além disso, “euangelizomai” significava “ser um portador ou anunciador de uma boa notícia; falar como mensageiro de alegria, proclamar boas notícias”.
Quanto à sua forma plural, ‘evangelhos’ não era utilizada nos tempos apostólicos, nem mesmo durante mais duas gerações seguintes;[4] pois fazia parte da essência da mensagem apostólica que existe apenas um único verdadeiro Evangelho; quem quer que proclamasse outro Evangelho, no dizer de Paulo, que fosse “anátema” (Gl.1.8). Os quatro registros que tradicionalmente aparecem no início da coleção da segunda parte da nossa Bíblia cristã, são propriamente falando, quatro registros de um único Evangelho – como declara Paulo o “evangelho de Deus ... com respeito a seu Filho” (Rm.1.1-3). Somente em meados do segundo século da era cristã que começou a ser usada a forma plural; é Justino Mártir, em sua Apologia, que se refere a eles no plural quando diz que as “memórias compostas pelos apóstolos” são chamadas de “Evangelhos”. Os quatro registros foram mantidos, pois, subentendem que neles encontra-se o Evangelho acerca de Cristo conforme a perspectiva de cada um dos quatro evangelistas. 


Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br

Artigos Relacionados                
VOCABULÁRIO bíblico – Ágape
LEITURA EFICAZ DA BÍBLIA: Métodos de Estudo     http://reflexaoipg.blogspot.com.br/2016/01/leitura-eficaz-da-biblia-metodos-de.html


Referências Bibliográficas
DOUGLAS, J. D.  O Novo Dicionário da Bíblia. São Paulo: Vida Nova , 2001, [p.567].
OSCAR, Cullmann. A Formação do Novo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, 1979, [p. 19-20].
TENNEY, Merrill C. (Org.). Enciclopédia da Bíblia, v. 2. Tradução da Equipe de colaboradores da Cultura Cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2008.





[1] É bem provável que Lucas tivesse conhecimento disso quando lemos que foi durante o reinado de Augusto, que Jesus nasceu (Lucas 2: 1).
[2] O verbo equivalente é rwk , que tem o significado geral de “proclamar as boas novas“.
[3] Nossa palavra anjo é uma transliteração da raiz da palavra grega para mensageiro (angelos). Essa mesma raiz é encontrada no substantivo “evangelho” (euangellion) e no verbo “evangelizar” (euangelizomai).
[4] Somente após a formação do Cânon cristão, que reuniu quatro escritos evangélicos, é que começou a se utilizar o plural “evangelhos” para se referir aos quatros livros.









[1] Somente após a formação do Cânon cristão, que reuniu quatro escritos evangélicos, é que começou a se utilizar o plural “evangelhos” para se referir aos quatros livros.

Nenhum comentário:

Postar um comentário