quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Viajando no Evangelho Segundo Mateus (2.1-12)

A Repercussão Mundial do Nascimento de Jesus
                   Continuamos nossa viagem evangélica seguindo o roteiro oferecido por Mateus. Iniciamos a viagem conhecendo os antecedentes genealógicos de Jesus Cristo onde se destacam os dois personagens proeminentes da História israelita/judaica de Davi e Abraão, nos indicando claramente que Jesus é legalmente descendente da linhagem messiânica.
Na sequencia ele nos revelou algumas informações sobre o nascimento de Jesus em que se destaca o cumprimento de profecias messiânicas, o nascimento virginal e a figura significativa de José, que assim como a jovem Maria teve uma visão angelical (em sonho) esclarecendo e orientando como ele deveria reagir e como deveria proceder aos acontecimentos em curso, o que ele fez com integridade.
Seguindo o roteiro de viagem elaborado por Mateus vamos nos deparar com alguns personagens muito interessantes e misteriosos que vieram do Oriente para oferecerem suas homenagens ao recém-nascido Jesus. Mas também conheceremos um dos personagens mais hediondo das páginas evangélicas – Herodes, o Grande.
O nascimento de Jesus Cristo produz reações totalmente antagônicas: se os viajantes do Oriente percorreram milhares de quilômetros para oferecerem suas ofertas de gratidão pelo nascimento do tão esperado e desejado rei messiânico; por outro lado Herodes fica não apenas perturbado, mas transtornado com a notícia, porque para ele esse bebê representa tão somente um rival que têm pretensões ao seu trono. Enquanto os gentios buscam a Jesus e se prostram em reconhecimento de sua realeza, os moradores de Jerusalém (capital religiosa da nação) estão completamente alienados de tudo quanto Deus está a fazer.
Vamos seguir nossa viagem!

Evangelho Segundo Mateus (NVI)
Capítulo 2.1-12
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Síntese da Perícope: A Repercussão Mundial do Nascimento de Jesus
Jesus nasceu em Belém, ao sul de Jerusalém, nos dias do rei Herodes, o Grande, apesar de ser um idumeu (edomita) foi nomeado pelo Senado Romano como rei da Judéia (37 a 4 a.C.) e apesar de seus grandes feitos ficou mais conhecido por sua crueldade e paranoia. A ideia de um futuro rei nascer em seu território o deixou transtornado, como veremos nesta perícope.
Vieram "magos" [sábios] do Oriente que guiados por uma estrela chegaram a Jerusalém, o lugar mais obvio para se encontrar um futuro “rei”.
Quando Herodes ouviu falar de outro rei, ele ficou perturbado e começou procurar uma maneira de eliminar esta "ameaça" ao seu poder.
Acionados os sacerdotes e escribas de plantão no palácio real trouxeram informações bíblicas (AT) aos magos, citando a profecia de Miquéias 5:2 sobre o nascimento do Cristo na pequena e singela vila de Belém.
Herodes astutamente se mostra interessado em também homenagear o rei-bebê. Os magos foram até Belém e entraram na casa (não na manjedoura) onde o menino (não mais um bebê) estava. Entre a manjedoura e a casa há um espaço aproximado de dois anos. Mas alertados quanto as intenções reais de Herodes quanto ao menino, os magos não voltaram para Jerusalém e não repassaram as informações a Herodes.
1. Depois que Jesus nasceu em Belém da Judéia, nos dias do rei Herodes, magos vindos do Oriente chegaram a Jerusalém
2. e perguntaram: "Onde está o recém-nascido rei dos judeus? Vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo".
3. Quando o rei Herodes ouviu isso, ficou perturbado, e com ele toda a Jerusalém.
4. Tendo reunido todos os chefes dos sacerdotes do povo e os mestres da lei, perguntou-lhes onde deveria nascer o Cristo.
5. E eles responderam: "Em Belém da Judéia; pois assim escreveu o profeta:
6. ‘Mas tu, Belém, da terra de Judá, de forma alguma és a menor entre as principais cidades de Judá; pois de ti virá o líder que, como pastor, conduzirá Israel, o meu povo’ ".
7. Então Herodes chamou os magos secretamente e informou-se com eles a respeito do tempo exato em que a estrela tinha aparecido.
8. Enviou-os a Belém e disse: "Vão informar-se com exatidão sobre o menino. Logo que o encontrarem, avisem-me, para que eu também vá adorá-lo".
9. Depois de ouvirem o rei, eles seguiram o seu caminho, e a estrela que tinham visto no Oriente foi adiante deles, até que finalmente parou sobre o lugar onde estava o menino.
10. Quando tornaram a ver a estrela, encheram-se de júbilo.
11. Ao entrarem na casa, viram o menino com Maria, sua mãe, e, prostrando-se, o adoraram. Então abriram os seus tesouros e lhe deram presentes: ouro, incenso e mirra.
12. E, tendo sido advertidos em sonho para não voltarem a Herodes, retornaram a sua terra por outro caminho.
Se no capítulo 1 os acontecimentos ficam restritos ao contexto pessoal e familiar, o capítulo 2 extrapola a esfera familiar e as fronteiras geográficas, pois o nascimento de Jesus é “boas notícias” para todos os povos.
Ele nasce na pequena vila de Belém da Judéia, pois havia outra Belém na região de Zebulom (Js 19.15), a oeste de Nazaré e, portanto na região da Galileia. Mas esta indicação geográfica serve também para relaciona-la com a profecia de Miqueias citada em seguida. A palavra "Belém" significa "casa de pão" – pois suas terras eram muito férteis. Também se chamava Efrata, uma palavra suposta para significar fertilidade (Gn 35.19; Rt 4.11; Sl 132.6). Foi chamada a cidade de Davi (Lc 2.4), porque era a cidade de sua natividade (1Sm 16.1, 1Sm 16.18), mais uma inferência de que Jesus vinha da descendência real messiânica, pois ele precisava ser da tribo de Judá. A vila esta localizada cerca de oito a dez quilômetros da capital Jerusalém.
A expressão cronológica “nos dias do rei Herodes” insere Jesus no calendário humano, pois o nascimento de Jesus não é um evento mitológico ou místico, mas está completamente inserido no tempo-histórico. Como todo ser humano Jesus fazia aniversário anualmente, conforme o calendário.
A figura de Herodes é uma das mais contraditórias em toda narrativa evangélica. Herodes era de uma família de idumeus, convertidos ao judaísmo forçosamente por João Hircano (período dos Macabeus) e assim fica evidente sua falta de apego ao judaísmo, pois era um estrangeiro estabelecido por um Império estrangeiro (Roma) e reinou por trinta e três anos.
Mateus denomina os visitantes estrangeiros como sendo “magos” literalmente, "Magi" ou "Magians", provavelmente da classe instruída que cultivava astrologia (astronomia) e ciências afins. Aparecem em um período primitivo como uma classe de sacerdotes da Media e Persa e conhecido por serem zelosos observadores da justiça e da virtude. O historiador Cícero os identifica como sendo “uma classe de sábio e doutores da Pérsia” e Daniel foi contado entre os "homens sábios" da Babilônia (Dn 2.48). enquanto exercia suas funções no Império Babilônico e Medo/Persa. Mas como tudo se degenera após a queda da Babilônia os “magi” passaram a serem necromantes e astrólogos e provavelmente essa é a visão que Herodes tem deles ao recebê-los. Mas a postura e comportamento destes homens sábios indicam que eram homens dedicados ao estudo das religiões sendo possivelmente remanescentes judeus (ou influenciados por estes) que haviam sido deportados para a Babilônia e posteriormente pelas cidades dos medos “e para os países circunvizinhos” (cf.2Rs17.6; 1Cr 5.26; Et 1.1; At 2.9-11) e que tinham visto a semelhança entre a "estrela" e a estrela messiânica de Jacó, que Balaão havia profetizado (Nm 24.17). Por outro lado, os judeus não mantiveram sua esperança messiânica escondida de outros povos e também é fato comprovado de que entre outras populações havia uma esperança da vinda de melhores coisas em relação a um grande Libertador que viria. O evangelista não os identifica pelo nome e nem quantos eram. Somente em séculos posteriores (V) que a Igreja Cristã começou a classifica-los de reis à luz do Salmo 72 “os reis de Társis e das regiões litorâneas lhe tragam tributo; (ao Messias)”. As pinturas nas catacumbas cristãs (séc. II) os identificam como nobres persas. São identificados como sendo três por causa do número de presentes oferecidos, mas o numero deles são variáveis nas pinturas das catacumbas e antigos monumentos cristãos: dois (sec. III); quatro (sec. IV) e às vezes o número de seis e até doze em representações nas comunidades sírias e armênias. Os nomes são dados apenas nos séculos VII e VIII, portanto desprovidos de autenticidade. A ênfase evangélica não está nos magos, mas no que vieram fazer: “adorá-lo”, se “prostrar” reconhecendo sua autoridade.
Os visitantes orientais vão procurar o bebê na capital e no palácio, visto identifica-lo como “rei”. A expressão “rei dos judeus” (2.2) na boca destes sábios abre o parêntese que se fechara no final desta narrativa evangélica na tabuleta da cruz (27.37) “rei dos judeus”. Entre a primeira e a segunda referência temos a história desse Rei dos Reis. Ao chegar aos ouvidos de Herodes ele fica completamente transtornado, pois identifica a criança como ameaça ao seu trono. Imediatamente ele convoca os líderes religiosos judaicos e exige que descubram onde essa criança haveria de nascer.
 A informação é extraída das profecias de Miqueias (5.2; e a segunda linha cf. IISm 5.2) que foi proclamada aproximadamente 700 anos antes do nascimento de Jesus. De todos os lugares em Israel, a pequena aldeia de Belém Efrata foi escolhida como o lugar onde Jesus nasceria. Ele não será um rei déspota, mas um rei pastor, que cuidará e suprira as necessidades de seu povo.
Astutamente Herodes ao passar a informação aos visitantes simulando um interesse de também homenagear a criança-rei.
Ao saírem do palácio os visitantes reavistaram a “estrela” que os havia conduzido antes e a seguiram. Os céticos de plantão sempre menosprezam o sobrenatural das narrativas bíblicas e evangélicas, mas Deus se comunica por todos os meios para revelar sua vontade – natural (estrela) e especial (profecia).
Finalmente a jornada deles termina – a estrela para sobre a casa onde o menino tão procurado mora. A visita dos sábios não aconteceu ao mesmo tempo da visita dos pastores (veja Lucas 2). Os magos chegam quase dois anos mais tarde. O casal José e Maria com Jesus já estavam numa casa. Ao entrarem se prostram e oferecem seus presentes ao menino-rei. O termo “adorar” utilizado não indica que eles tivessem consciência de que esse menino fosse divino. As ofertas ouro, incenso e mirra nas interpretações alegóricas são sempre relacionados especificamente em referência a Deus, todavia cada uma delas aparece igualmente nas Escrituras com outras finalidades. O que importa aqui é o ato dos visitantes orientais e sua postura diante do menino reconhecendo sua realeza.
Orientados em sonho (como José) por Deus os sábios retornam para sua terra por um caminho que evita Herodes. Seus corações estão repletos de alegria e jubilo, pois sua jornada foi completada.

Conclusão Geral da Perícope 2.1-12
v  Como ocorreu na genealogia aqui novamente Mateus quer deixar bem claro que ainda que a mensagem de salvação evangélica tenha suas origens entre os judeus, ela nunca foi restrita a eles, pois desde sempre a salvação através de Jesus Cristo era para todos os povos (aliança abraamica) e Mateus conclui sua narrativa com a Grande Comissão deixada por Jesus aos seus discípulos. E se Jerusalém, representados por suas lideranças religiosas, foi ignorante e hostil, houve gentios vindos do distante Oriente atraídos por sua vinda e que o reconheceram como o Rei dos Judeus. Que terrível condenação para os líderes religiosos de Jerusalém! Os pastores (Lc 2) contemplaram seu nascimento após poucas horas; os visitantes do Oriente o contemplaram em um tempo posterior, mas os líderes religiosos de Jerusalém estavam completamente cegos em relação a tudo que Deus estava fazendo; enquanto Deus inaugura um Novo Tempo (graça) o judaísmo com todas suas subdivisões permanecem arraigados em seus próprios interesses e projetos de poder.  Deus falou com estes estrangeiros, primeiro por uma estrela, em seguida, um sonho, mas aos arrogantes de Jerusalém apenas o silencio. João vai resumir bem a situação dos judeus em relação a Jesus: “Veio para os seus, mas os seus não o receberam”. Eles estavam no estado descrito por Malaquias, alienados de Deus. No Brasil vivemos dias semelhantes, pois quanto mais se lotam os templos, mais alienados as pessoas estão de Deus. A familiaridade com as questões religiosas produz em alguns casos uma funesta tendência a produzir menosprezo pelas coisas espirituais. A famigerada “teologia da prosperidade” tem afastado milhares de cristãos da genuína espiritualidade evangélica e fixando os olhos e corações naquilo que é temporal e passageiro em detrimento daquilo que é eterno. Assim como os religiosos de Jerusalém não puderam “ver” Jesus naqueles primeiros dias, assim também os lideres cristãos brasileiros estão cegados pela cobiça e encantos deste mundo e não podem “ver” Jesus hoje. Assim como o Templo representava toda a dureza dos corações daqueles religiosos judaicos, os atuais “Templos” erigidos ao custo da exploração dos neófitos e ignorantes, apenas manifestam a arrogância e prepotência dos líderes cristãos evangélicos no Brasil atual. Parafraseando as palavras de Jesus: “Naqueles dias muitos dirão: em teu nome construímos grandiosos e ricos Templos e Catedrais; mas Jesus lhes dirá: Não vos conheço!”.
v   



Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
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