quinta-feira, 16 de março de 2017

Exegese no Evangelho Segundo João (4.24): Contexto Próximo




            A passagem que estamos analisando (4.24) pode ser classificada em relação aos vários períodos do ministério de Jesus, como sendo um incidente de uma das viagens dele entre sua ida da Judéia para a Galileia. O comentarista bíblico W. C. Taylor oferece uma boa discussão sobre a razão pela qual Jesus tinha de passar por Samaria e conclui que:
Era mister que Jesus passasse por Samaria do mesmo modo como era necessário para os demais peregrinos. As estradas do Vale eram intransitáveis nessa época, ou pelo menos lamacentas. ... Interpreto essa linguagem em sentido natural. Era tempo do ano quando as viagens da Judéia para Samaria era feitas sem atravessar o Jordão, isto é, cruzando a Samaria (1957, p. 56).
            Por sua vez G. Hendriksen (1980, p. 167) comentando esta mesma passagem opta por uma perspectiva mais teológica e conclui:
Sem embargo, tenho em conta que neste Evangelho se insiste continuamente no conhecimento que Cristo tinha de estar cumprindo o plano divino (veja-se 2.4; 7.30; 8.20; 12.23; 13.1; 14.31), e que o contexto imediato também o indica implicitamente (4.1-3); o significado mais provável aqui é: tinha que passar por Samaria de acordo com as ordens de Seu Pai Celestial; para fazer a vontade daquele que o havia enviado, e acabar sua obra (4.34).[1]
            É somente neste Evangelho que encontramos referências preciosas sobre a atuação inicial de Jesus Cristo em Jerusalém e circunvizinhança. Somente aqui somos informados que por um breve período o Senhor Jesus desenvolve seu ministério paralelamente ao ministério de João Batista.
            E justamente porque o ministério de Jesus, ratificado por extraordinários milagres e corroborado por uma viagem vibrante, que começa a ofuscar até mesmo o ministério do Batista, começa atrair a atenção e depois a ira dos religiosos judaicos, evidentemente encabeçadas pelos fariseus (cf. 4.1), que tem suas esferas de atuação e popularidade fora do Templo. Esta grande notoriedade de Jesus acaba se tornando um problema para Ele, pois passa a sofrer ameaças contra sua vida.
            Em decorrência disso, Jesus decide deixar a Judeia e partir para a Galileia, ao norte da Palestina, onde a influência dos fariseus era menor; e esta região acaba por se constituir no centro de suas atividades. E A. T. Robertson (1990, p. 84) faz uma interessante observação: Cada vez que a partir de agora, volta à Jerusalém e Judeia antes de sua última visita, se dá um aberto confronto com os fariseus, que o atacam (5.1-47; 7.14; 10. 21-42; 11.17-53).
            E justamente nessa travessia, ao passar por Samaria e se deter junto ao poço de Sicar, temos o registro do diálogo de Jesus Cristo com a mulher samaritana.
            O propósito de Jesus nesta cena, em um consenso geral, é que ele desejava demonstrar aos seus discípulos que a sua mensagem não estava restrita a um gueto judaico, mas que haveria de se constituir em uma mensagem universal. Jesus veio buscar e salvar o que está perdido. Não envidaria nenhum esforço para levar adiante o propósito redentor de Deus. Proverbial era o ódio entre judeus e samaritanos; porém Jesus Cristo não excluiu ninguém, pois seu imensurável amor se estende a todos os eleitos em todas as épocas e todos os lugares, e por eles derramaria até a última gota de sangue no calvário.
            Como no dialogo, anterior, com Nicodemos Jesus utiliza-se de expressões comuns, ditas em sentido material e imediato, para apresentar verdades mais profundas sobre a realidade espiritual. Inicia seu dialogo com a mulher samaritana, pedindo-lhe água para revelar que por meio dele ela poderia saciar sua sede d’alma (cf. 7.15). Para demonstrar que tinha poder, Jesus traz à luz particularidades da vida íntima daquela mulher (cf. 4.16-19). Chegando à conclusão de que estava diante de um profeta, de origem judaica, a mulher introduz o tema mais polêmico e explosivo entre judeus e samaritanos: em que lugar Deus deveria ser adorado?
            Jesus responde mostrando-lhe que o cerne da questão não é onde as pessoas deveriam adora a Deus, mas como deveriam adorá-lo. A adoração deveria ser “em espírito e em verdade” (cf. 4.23), pois, como tão bem afirma F. F. Bruce: “Deus é Espírito; não somente em Espírito entre outros, mas o próprio Deus é Espírito puro, e por isso o culto no qual Ele tem prazer é espiritual ...” (1990, p. 104).
            E este incomparável diálogo, encerra-se com o Senhor Jesus Cristo afirmando categoricamente àquela mulher que Ele era de fato e de verdade, o cumprimento de todas as profecias messiânicas, pois Ele mesmo era o Messias (cf. 4.25,26). Isso é algo extraordinário, pois aos seus discípulos, que não estão ali presentes, essa verdade vai sendo revelada paulatinamente e mesmo assim, ao final eles pouco compreenderam esta verdade. Mas a uma mulher samaritana Jesus fala abertamente sobre sua função messiânica. Jesus sempre levou em conta a capacidade da mulher em melhor compreender sua mensagem e sua obra.

Próximo: Contexto Remoto

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/


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 Referências Bibliográficas
BRUCE, F. F. João – Introdução e Comentário. 2ª ed. São Paulo: Vida Nova & Mundo Cristão, 1990.
HENDRIKSEN, Guilhermo. Juan – comentário del Nuevo Testamento. Michigan: Subcomision Literatura Cristiana de la Iglesia Cristiana Reformada, 1980.
ROBERTSON, A. T. Imágenes Verbales em el Nuevo Testamento. v. 5. Barcelona: CLIE, 1990.
TAYLOR, W. C. Evangelho de João – tradução e comentário. v. 2. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1957.





[1] Concordando com Hendriksen temos outro importante comentarista bíblico, J. Ramsey Michaels (1987, p. 81).

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