sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

ATOS: Ambiente Geográfico e Histórico


Para uma compreensão mais ampla dos relatos registrados por Lucas é indispensável que se compreenda um mínimo da geografia e o contexto histórico em que estes eventos se desenvolveram.
A Palestina formava parte do Império Romano que se estendia desde a Inglaterra até a Mesopotâmia, chegando a excursionar e pressionar todo o Oriente Médio. Para poder administrar e governar melhor todo este imenso império eles o dividiram em províncias, sendo que algumas eram administradas pelo Senado e outras pelo próprio Imperador.
As governadas pelos senadores eram os territórios pacificados e integrados ao império e eram governadas por um procônsul.
Os territórios imperiais eram os que estavam na periferia do império e se constituíam em zonas de fronteiras, deste modo, estavam constantemente expostas a ataques dos povos não dominados. Exigiam, portanto, uma forte guarnição militar e eram governadas por um “legado” que dependia diretamente do governador. Por sua vez, estas províncias imperiais eram divididas em três categorias segundo seu grau de dificuldade em administrá-las: as “consulares”, maiores e onde ficavam instaladas varias legiões; as “pretorianas” recebiam apenas uma legião; e as “procuratórias”, consideradas as mais problemáticas eram governadas por um procurador.
Desta forma, tanto a Judéia quanto a Samaria estavam classificadas nesta terceira categoria, salvo um curto período (41-44 d.C) em que foram governadas pelo rei Agripa I, como parte de seu reino. O Império Romano sabia da fama de insurreição dos judeus e que, portanto as revoltas eram uma constante. Como sabemos, logo ocorreu a grande revolta (70 d.C.) no final do governo de Nero e a invasão e destruição de Jerusalém debaixo das ordens do então imperador Vespasiano.
Evidentemente que o livro de Atos não se restringe à Palestina, mas abrange todo o território Romano e se constitui em uma das mais fascinantes viagens por estas diversas regiões que foram palco tanto das ações de Pedro e Paulo como de milhares de cristãos que se espalhavam tão rapidamente como fogo em capim seco. Vejamos algumas destas regiões:
- Síria, esta próxima da Palestina, sua capital é Antioquia e chega a ser a terceira em importância dentro do império com aproximadamente 500.000 habitantes. Dentro desta província encontramos uma cidade que interessa muito ao leitor de Atos – Damasco – onde Paulo foi batizado. Esta província era a mais importante do Oriente, pois contava com quatro legiões para defender a fronteira contra os indomáveis partos e nabateos.
- Chipre, cuja capital era Pafos. Foi a pátria de um dos mais queridos personagem do livro de Atos – Barnabé.
- A Cilícia, cuja capital era Tarso, berço do Apóstolo Paulo.
- Capadócia, ficava ao norte da Cilícia.
- A região da Galácia, ocupava o centro da Ásia Menor, com suas regiões limítrofes da Psídia, Licaônia e Frígia.
- Ásia, que culturalmente era a mais importante e ocupava toda a parte ocidental da Ásia Menor, sendo contornada pelo mar da Grécia. Estava subdividida em outras regiões menores, tais como Caria, Misia e Lídia. Suas cidades tornaram-se muito conhecidas dos leitores de Lucas – Éfeso, a capital, famosa por seu templo e culto a Diana; Mileto,LaodiceiaColossosPérgamoSardesEsmirnaFiladelfia, etc... (também do Apocalipse).
- Lícia e Panfília, ao sul da região anterior, com importantes cidades portuárias e comerciais, como Atalia, Perge, etc.
- Bitínia e Ponto, eram duas regiões ladeadas pelo Mar Negro, chamada na antiguidade “Ponto Euxino”.
- Macedônia, está no continente europeu e sobre a Grécia, cuja capital era Tessalônica. Aqui temos também a importante cidade de Filipos, onde Paulo e Silas estabeleceram a primeira comunidade cristã na Europa.
- Acaia ou Grécia. Entre suas cidades mais importantes estão Atenas e Corinto.
- Egito, no continente Africano, cuja capital era Alexandria, a segunda em importância dentro do Império. Era uma cidade culta e comercial, com uma das maiores comunidades judaicas foram da Palestina. Ao sul do Egito estavam os países da Etiópia e Nubia.
Todas estas regiões tão distantes entre si por sua cultura, seus cultos, sua filosofia e o mosaico de seus povos, tinham sem embargo uma unidade fundamental proporcionado pelo Império Romano, com um governo central, uma boa administração e a influência da cultura e da língua grega ou helenística. Tudo isto, somados às viagens e um bom sistema de comunicação (epistolas) propiciara ao cristianismo uma expansão rápida e uma influência cada vez maior em todo este vasto Império.
Outro aspecto relevante é o fato de que este período do inicio da Igreja coincide com uma época de paz por quase todo o Império, resultado do esforço do imperador Augusto e seu sucessor Tibério, em cujo mandato nasceu Jesus em Belém. Também Calígula e Claudio exerceram uma política de tolerância religiosa com os povos dominados, o que permitiu que o cristianismo, a princípio confundido com o judaísmo, gozasse de ampla liberdade de ação. Ainda que Roma tivesse seus próprios deuses e culto, jamais os impôs aos povos conquistados.
Somado a tudo isto, é importante destacar as numerosas colônias de judeus que se espalhavam por todo o império, particularmente na Ásia Menor e Egito. Especula-se que se na Palestina houvesse aproximadamente um milhão de judeus, outro milhão na Síria Egito, e um milhão e meio no resto do Império. Estes judeus viviam autonomamente dentro de cada cidade, com sua sinagoga, o estudo da Lei, a visita periódica a Jerusalém e seu tributo ao Templo. Tinham até mesmo alguns privilégios dos cidadãos romanos, tais como dispensa do serviço militar, o descanso do sábado e certa jurisdição civil interna (pequenos tribunais).
Todavia, seu numero às vezes desproporcional em relação aos povos locais acabavam por produzir tumultos e a intervenção das autoridades. Um caso muito conhecido foi o decreto de Tibério no ano 19 d.C. que expulso os judeus da cidade de Roma (voltaram somente nos dias de Claudio em 49 d.C.). Outro caso aconteceu em Alexandria onde houve uma grande revolta da população contra os judeus, onde ocupavam dois dos cinco bancos da cidade. Foi também aqui em Alexandria que se produziu a primeira grande tradução do Antigo Testamento para o grego, conhecida por Septuaginta ou Versão dos Setenta, e que passou a ser utilizada inicialmente pelos judeus de fora da Palestina, mas que acabou sendo adotada pelos judeus menos ortodoxos. Os apóstolos e cristãos dos primeiros séculos utilizaram abundantemente esta preciosa tradução grega.
Conclusão
É neste complexo mundo antigo, com mais de setenta milhões de habitantes que formavam um só Império, o mais poderoso da terra, com suas legiões invencíveis e uma cultura considerada a maior expressão do pensamento humano, com seu mosaico de povos debaixo da  “paz romana”, que surge um pequeno grupo de pessoas, pobres, rudes e quase analfabetos, com a mensagem estranha de um Jesus que fora morto, mas que ressuscitou, e que ao final de pouco mais de trinta anos se faria presente em todo o território romano e que posteriormente se tornaria a maior e mais influente religião do Império e do mundo ocidental. E Lucas registra para nós de forma maravilhosa os primórdios desta história cristã.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/

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Referências Bibliográficas
BAXTER, J. Sidlow. Examinai as Escrituras, v. 6. São Paulo: Vida Nova, 1989.
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CHAMPLIN, R. N. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. São Paulo: Hagnos, 8ª ed., 2006.
ERDMAN, Charles R. Hechos de Los Apóstoles. Ed. TELL, 1974.
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RYRIE, Charles C. Bíblia de estúdio Ryrie. Chicago (Illinois): Moody Press, 1991.
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