terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Natividade: Quando o Natal foi Comemorado em 25 de dezembro?

            Em grande parte do mundo cristão, mais precisamente no Ocidente, o nascimento de Jesus é celebrado anualmente no dia 25 de dezembro, ainda que nas literaturas evangélicas, Lucas e os outros evangelistas não oferecem nenhuma informação que corrobore o tempo específico do ano em que ele nasceu.
O Natal tem sido caracterizado por canções alegres, liturgias especiais e trocas de presentes, refeições fartas. Mas, como esta comemoração natalina se originou? Como esta data especifica de 25 de dezembro veio a ser associado com o nascimento de Jesus?
Uma das poucas inferências nas narrativas evangélicas é a de que alguns pastores estavam cuidando de seus rebanhos à noite, quando ouvem a notícia do nascimento de Jesus (Lucas 2.8) que pode sugerir o mês frio de dezembro, em que as ovelhas eram mantidas nos apriscos. No entanto, não é a melhor prática hermenêutica ou exegética extrair detalhe tão precisa de uma referência incidental em uma narrativa cujo foco é teológico.
A evidência extra bíblica a partir do primeiro e segundo século é igualmente esvaziada de referências: não há nenhuma menção de celebrações natalinas nos escritos de cristãos, como Irineu (130-200); Tertuliano (160-225). Ao contrário, Orígenes de Alexandria (165-264), é abertamente crítico e condena as celebrações de aniversários de nascimento [imperadores] ou mesmo, da morte dos mártires cristãos, descartando-os como sendo práticas pagãs, no que constitui uma forte indicação de que o nascimento de Jesus não foi marcado por qualquer festividade semelhante praticado nesse tempo. 
Apenas para fazer contra ponto, os acontecimentos relacionados aos últimos dias de Jesus [paixão] são abundantes e precisos nos detalhes. Cada um dos quatro Evangelhos oferece seus relatos sobre o momento da morte de Jesus. De acordo com João, Jesus é crucificado, em semelhança aos cordeiros pascais que estão sendo sacrificados. Isso teria ocorrido no dia 14 do mês hebraico de Nisan, pouco antes do feriado judaico [páscoa] começar no pôr do sol (considerado o início do 15º dia, porque no calendário hebraico os dias começam ao pôr do sol). 
A celebração da Páscoa desenvolve-se muito mais cedo do que o Natal, pelo fato de se tratar de uma simples reinterpretação cristã da Páscoa em termos de paixão de Jesus. O apóstolo Paulo não tem qualquer dificuldade em fazer essa interpretação (1 Coríntios 5: 7-8: "O nosso cordeiro pascal, Cristo, foi sacrificado Portanto, vamos celebrar a festa ...."); paulatinamente tornou-se uma festa distintamente cristã na metade do segundo século. O cerne da mensagem apostólico-cristã está no ministério, milagres, paixão e ressurreição de Jesus conforme as primeiras literaturas canônicas [epístolas e Evangelho Marcos]. 
Mas ao longo do tempo, as perguntas relacionadas às origens de Jesus começam a exigir alguma resposta. Os evangelistas Mateus e Lucas proporcionar algumas respostas, ainda que nos detalhes seus relatos sejam distintos, em nenhum deles se especifica uma data. No segundo século, mais detalhes do nascimento e da infância de Jesus surgem nos escritos apócrifos, como o Evangelho da Infância de Tomé e o Protoevangelho de Tiago. Estes textos fornecem muitos detalhes, desde os nomes dos avós de Jesus aos detalhes da sua educação, mas também não trazem nenhuma referência especifica sobre a data de seu nascimento ou fazem menção sobre qualquer celebração nesse sentindo.
Em cerca de 200 d.C., Clemente de Alexandria, um mestre cristão egípcio faz referência à data que Jesus nasceu. De acordo com ele, vários dias diferentes havia sido proposto por vários grupos cristãos, tais como 20 de maio, 20 ou 21 de abril, mas nenhum grupo indicou 25 de dezembro.
O que o texto de Clemente evidência é que ao mesmo tempo em que havia uma grande incerteza, quanto à data correta, também havia um crescente interesse em determinar a data do nascimento de Jesus no final do segundo século. Assim, se o interesse sobre o nascimento de Jesus surgiu relativamente cedo, a observância efetiva do Natal como uma festa só apareceu bem mais tarde, no quarto século, ou talvez no final do terceiro. 
No transcorrer do século IV, encontraremos referências às duas datas, que posteriormente foram amplamente reconhecidas, e que atualmente são mantidas para se comemorar o aniversário de Jesus: 25 de dezembro, no Império Romano do Ocidente e 6 de Janeiro, no Oriente (especialmente no Egito e na Ásia Menor).[1] 
A primeira menção de 25 de dezembro como o aniversário de Jesus vem de um calendário romano [Filocalus ou Philocalian] de meados do século IV encabeçando uma lista contendo as datas da morte de vários bispos e mártires cristãos. Na primeira data listada, 25 de dezembro, trás esse registro: natus Christus in Betleem Judeae [Cristo nasceu em Belém da Judéia][2] Os dissidentes cristãos donatistas,[3] mencionados e combatidos por Agostinho de Hipona (400 d.C.), mantiveram as festividades natalinas no dia 25 de dezembro, mas rejeitaram a festa da Epifania (06 de janeiro) a considerando uma inovação. Como os donatistas surgiram quando da perseguição promovida pelo imperador Diocleciano (312 d.C.) e depois se mantiveram arraigados às suas tradições peculiares, seu posicionamento indica uma tradição cristã norte-Africano ainda mais antiga. No Oriente, 6 de janeiro foi mantida não apenas como associada com a chegada dos Magos, mas com a história do Natal como um todo.[4]
Desta forma, somente quase 300 anos depois que Jesus nasceu, haveremos de encontrar pessoas observando seu nascimento no meio do inverno. Mas como que se estabeleceram as datas de 25 de dezembro e 6 de janeiro? Há duas teorias hoje:
a) A teoria mais popular sobre as origens da data(s) de Natal é que ele foi emprestado de celebrações pagãs. Tanto os romanos quanto os povos bárbaros tinham seus festivais religiosos no final de Dezembro. No ano de 274 d.C. o imperador romano Aureliano estabeleceu uma festa celebrando o nascimento do Sol Invictus (Sol Invicto), em 25 de dezembro. Assim, posteriormente, quando o cristianismo assumiu a supremacia religiosa no império romano, os cristãos deliberadamente transvestiram a festa pagã em festa cristã, celebrando no dia 25 de dezembro o nascimento do Salvador dos homens, aquele que havia criado o próprio sol – Jesus Cristo.
Todavia, essa hipótese carece de fundamentos históricos. Esse sincretismo não é encontrado em nenhum documento cristão da época e nenhum autor cristão mencionou qualquer conexão entre o solstício e o nascimento de Jesus. Ainda que Ambrosio (339-397) tenha feito uma ilustração de Cristo como sendo o verdadeiro sol, que ofuscou os deuses caídos da velha ordem pagã, nem ele ou qualquer de seus contemporâneos fazem menção à quaisquer esforço em se apropriar da festa alheia.
Somente no século XII encontramos a primeira sugestão que a celebração do nascimento de Jesus foi uma ação deliberada de apropriação das festas pagãs. Uma pequena nota marginal em um manuscrito do comentarista bíblico sírio Dionísio bar-Salibi afirma que em tempos antigos, o feriado de Natal passou de 6 janeiro para 25 dezembro para que coincidisse com a data do Sol Invictus. 
Porém, em seu estudo “As Origens do Ano Litúrgico” Thomas Talley informa que o imperador Aureliano inaugurou o festival do Nascimento do Sol Invicto numa tentativa de dar nova vida - um renascimento - a um Império Romano que estava moribundo. Assim, concluiu o autor, é muito mais provável, que a ação do Imperador foi uma resposta à crescente popularidade e a força da religião cristã, que estava comemorando o nascimento de Cristo em 25 de dezembro, ao invés do contrário (1991, p. 88-91).[5]
Nos séculos XVIII e XIX, os estudiosos da Bíblia influenciados pelo novo estudo de religiões comparadas se agarraram a essa ideia.[6] Evidente que muitas características secundárias das festas pagãs acabaram sendo agregadas à festa cristã, tais como a árvore de Natal, por exemplo, que é associada com as práticas druídicas medievais. Mas como mencionado acima, até 300 d.C. os cristãos mantinham-se completamente arredios à qualquer sincretismo com as religiões pagãs. Inclusive uma das razões pelas quais os cristãos foram duramente perseguidos (Diocleciano 303 d.C.)  era justamente pelo fato de não celebrarem as festas religiosas destinadas aos deuses.
Esse posicionamento só veio a ser alterado após Constantino cristianizar o império. A partir de meados do século IV em diante, encontramos cristãos deliberadamente adaptando e cristianizando festas pagãs. Um proponente famoso desta prática foi o Papa Gregório, o Grande, que, em uma carta escrita em 601 d.C. a um missionário cristão na Grã-Bretanha, recomenda-lhe que não destrua os templos pagãos locais, mas que fossem adaptados em igrejas cristãs, e que os festivais pagãos fossem celebrados como festas dos mártires cristãos. É possível então que o Natal, nesse período, tenha se revestido de muitas camadas pagãs. Assim, diante do fato de que não temos qualquer evidência de que os cristãos tenham adotado quaisquer festas pagãs até o século III e que não temos de fato um documento que nos forneça a origem da data em que se passou a celebrar o Natal, não é correto deduzirmos que se trata simplesmente de um sincretismo do solstício pagão.

Lembrando que muito antes de Constantino, os cristãos donatistas na África do Norte já tinham informação sobre a comemoração do nascimento de Jesus e que a igreja cristã Oriental (Constantinopla) aceita celebrar o nascimento de Jesus, mas desde que mantida a data de 06 de janeiro e não 25 de dezembro, como queriam os cristãos Ocidentais (Roma).
            b) Uma segunda hipótese para a origem de 25 de dezembro como data natalina de Jesus está relacionada com sua morte, ou seja, a Páscoa. Ainda que alguns tenham feito esta conexão, esta hipótese tem sido desenvolvida mais recentemente (século XX) pelo estudioso francês Louis Duchesne e Thomas Talley. Tertuliano de Cartago (200 d.C.) com base no Evangelho de João, de que Jesus havia morrido no dia 14 de Nisan, calendário lunar, equivalente a  25 de março, calendário solar.  
A teoria computacional da origem da observância do Natal em 25 de dezembro foi proposta pela primeira vez em 1889, pelo estudioso francês chamado Louis Duchesne em seu trabalho “O culto cristão: sua origem e evolução”. Ele observou que houve muitas tentativas entre os escritores cristãos antigos para chegar a exata data do nascimento e da morte de Cristo.
Ao traduzir Hipólito “Comentário de Daniel”, escrito logo após 200 d.C., Schmidt observa que cinco dos sete manuscritos contêm 25 de dezembro como a data para o nascimento de Jesus e outra oferece o dia 25 de dezembro ou março.[7]
A passagem diz o seguinte:
Para o primeiro advento de nosso Senhor na carne, quando ele nasceu em Belém, foi 25 de dezembro, uma quarta-feira, enquanto Augustus estava em seu quadragésimo segundo ano, mas a partir de Adão, cinco mil e quinhentos anos. Ele sofreu no trigésimo terceiro ano, 25 de março, sexta-feira, no décimo oitavo ano de Tibério César, enquanto Rufus e Roubellion eram cônsules (Commentary on Daniel 4.23.3 – negrito meu).
Clemente de Alexandria, neste mesmo tempo, oferece a data de 25 de março como a data da encarnação, que é a concepção de Jesus, em sua Stromata (1.21.145-146).[8] Desta forma, ambas as obras amarraram a ideia de que a morte de Jesus teria acontecido no mesmo dia que sua concepção.
Como os antigos consideravam que os números bíblicos eram simbólicos, os padres da igreja assumiram personagens bíblicos que viveram por um número inteiro de anos. Esta noção, que parece simplista agora, supõe que figuras bíblicas morreram no mesmo dia em que foram concebidas.[9] Assim, partindo de um sistema de números simbólicos, sem imperfeições (fracções), teria 25 de março como a data da concepção de Jesus, e adicionando exatamente nove meses resultaria em 25 de dezembro como a data do nascimento de Jesus.[10]
            A relevância dessa hipótese é o esforço que a igreja desprende para determinar a data do Natal dentro do contexto eclesiástico cristão, em vez de apelar para a cristianização de um feriado pagão. A limitação ou fragilidade está no fato de que exige uma grande interpolação de dados fragmentários.
            Assim sendo, todas as explicações e hipóteses para responder a questão da origem do Natal como sendo em 25 de dezembro são limitadas e frágeis em suas fontes documentais. Todavia, refletem o esforço da igreja primitiva e antiga em estabelecer um dia plausível para celebrarem o nascimento de Jesus Cristo. Evidente que nem Mateus e nem Lucas, que relatam algumas informações sobre o nascimento de Cristo, imaginaram que se estabeleceria uma comemoração anual do seu nascimento em Belém, visto que nenhuns dos dois evangelistas demarcaram a data do nascimento, como tão bem estabeleceram a data de sua morte.
            No calendário litúrgico estabelecido pela Igreja Cristã, além dos acontecimentos relacionados à Semana da Paixão, nenhuma outra data referente ao ministério de Jesus Cristo pode ser atribuída com precisão. Ainda que a data do Natal tenha sido a mais acarinhada desde a igreja primitiva e até hoje.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/



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Referências Bibliográficas
DANIEL-ROPS. Prières des Premiers Chrétiens. Paris: Fayard, 1952.
DUCHESNE, L. Christian worship: it origin and evolution. London: Society for Promoting Christian Knowledge, 1904.
ROLL, Susan K. Toward the origins of Christmas. GA Kampen: Kok Pharos Publishing House, 1995.
SIMMONS, Kurt M. The origins of christmas and the date of Christ’s birth - http://www.etsjets.org/files/JETS-PDFs/58/58-2/JETS_58-2_299-324_Simmons.pdf
TALLEY, Thomas J. The Origins of the Liturgical Year. Collegeville, MN: Liturgical Press, 1991.

WIRTH, Douglas. Shivering babe, glorious Lord: the nativity stories in christian tradition. Bloomington: WestBow Press, 2016. 



[1] É possível que os embates teológicos violentos ocorridos em diversos Concílios sobre as questões Cristológicas, acabaram despertando ou mesmo acentuando as questões relacionadas ao seu nascimento.
[2] Trás também a declaração do dia 25 de dezembro como o “Natalis Invicti” (natal invencível). 
[3] DONATISMO: Surgiu no meio da Igreja Africana do século V e ensinava que a validade dos sacramentos depende do caráter moral do ministro dos sacramentos e que os pecadores não podem ser verdadeiros membros da Igreja ou mesmo tolerada pela Igreja se seus pecados são conhecidos publicamente.
[4] No cristianismo ocidental a data do 06 de janeiro tornou-se a Festa da Epifania, comemorando a chegada dos Reis Magos em Belém.
[5] No calendário Juliano, criado em 45 a.C. sob Júlio Cesar, o solstício de inverno caiu em 25 de dezembro, e, portanto, parecia óbvio que o dia deve ter tido um significado pagão antes de ter um significado cristão. Mas, na verdade, a data não tinha significado religioso no calendário festivo pagão romano antes da época de Aureliano, nem o culto do sol desempenhou um papel proeminente em Roma antes dele. Somente no século IV Constantino vai se apropriar do mitraísmo, uma religião oriental, cujo símbolo era o Sol.
[6] Os puritanos ingleses e os escoceses presbiterianos (século XVII) rejeitaram a festa de Natal com suas cerimônias festivas, comemorações e costumes, o que fizeram com praticamente todas as demais festas cristãs, enclausurando tudo e todos numa atmosfera monástica. Segundo eles, desde que a Bíblia não estabelece nenhuma data do nascimento de Cristo, esta data comemorativa era um artifício pecaminoso da Igreja Católica Romana que deve ser abolida. Paul Ernst Jablonski, protestante alemão, fundamentado em obras pseudo-acadêmicas, tenta demonstrar que 25 de dezembro tinha sido realmente uma festa pagã romana (1991, p. 88).
[9] Esta ideia da "era integral" tem origens nos ensinos do judaísmo ainda nos dias de Jesus, onde se cria que os grandes personagens da história israelita/judaica, como Abraão, Moisés e os profetas, morreram nas mesmas datas do seu nascimento ou concepção.
[10] A noção de que a criação e a redenção devem ocorrer na mesma época do ano também se reflete na antiga tradição judaica, registrada no Talmud. 

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